E o palhaço que é? É ladrão de mulher.
Quantas e quantas vezes, você e eu ouvimos esse bordão?
E a palhaça? Qual o lugar da palhaça? Por que a necessidade de falar de gênero no circo? Festivais e Encontros de circo só para mulheres, qual a necessidade disso?
Pois bem, senta que eu explico e se não entender desenhamos, fazemos mímica, somos muitas e somos ótimas.
O circo e principalmente a figura do palhaço é um lugar que foi exclusivo para o gênero masculino, para nós mulheres restavam as funções de bailarina, aéreo, assistente de mágico, assistente de palco, assistente do dono do circo, assistente do elefante, mas foi perguntado a estas mulheres se estavam satisfeitas, que lugar queriam ocupar no picadeiro?
Pois bem, no Novo Circo em tempos contemporâneos resolvemos protagonizar, sermos o que bem entendermos, A Palhaça é o que ela quiser! Inclusive Palhaça. Nos anos 80 começamos a ter referências de Mulheres Palhaças, até então as mulheres que exerciam esta função tinham que se transfigurar de palhaço. É muito recente se formos refletir a visibilidade da mulher neste ofício.
A mulher sempre vista como a delicada, a cuidadora, a zelosa, a sem graça... mulher causar o riso era algo impensável. Se a figura do palhaço nos remete ao ridículo, não caberia à mulher ser vista como Ridícula, rir de si mesma, encontrar o sucesso no erro.
O sistema patriarcal ensinou a nós mulheres, que temos padrões a seguir, normas a cumprir, papéis a desempenhar, que somos dependentes, inimigas, competitivas e coadjuvantes nos ambientes em que estamos.
Pois então, que comece o matriarcado!
São 22 anos fazendo Palhaçaria, mas em 2016 que pude compreender a relação do gênero no fazer artístico, a importância de me reconhecer mulher palhaça, construir uma narrativa feminina, o riso transgressor que vem unindo em uma Rede Internacional mulheres palhaças, mulheres circenses, mulheres que tem muito a dizer e com MUITA GRAÇA.
Por falar em graça, no Brasil temos mulheres inspiradoras que há mais de 10 anos vem tecendo essa rede de Mulheridades e criando possibilidades de sermos ouvida e vistas, “As Marias da Graça”, são as pioneiras no Brasil com grupo protagonizado somente por mulheres Palhaças, o grupo tem 28 anos de estrada, criadoras do Primeiro Encontro no Brasil somente para Mulheres – “Esse Monte de Mulher Palhaça”, com sua 7° Edição em 2018, encontro que inspirou mais mulheres a ampliar essa rede e hoje temos alguns espalhados pelo Brasil com protagonismo integralmente feminino.
Mas aí vamos ouvir a pergunta de sempre: “Por que um festival só para mulheres?”.
Na minha opinião, um encontro só para mulheres é porque ainda não ocupamos nem a metade das programações dos encontros, convenções e festivais mistos, porque não queremos mais sermos o único grupo feminino a participar, não queremos estar nas cotas e sim equilíbrio nas curadorias. Queremos fazer, trocar, criar, dialogar, refletir, produzir e para isso tem sido sim necessário segmentar os Encontros.
Pense, você que participa de Festivais e Encontros Circenses, quantos grupos protagonizado por mulheres você encontra na programação? Daí então conseguiremos dialogar sobre necessidades reais.
Me reconhecer Mulher Palhaça, ressignificou minha dramaturgia, meu fazer, meu corpo cômico. A Flóris é a parte mais transparente da Juliana, a Flóris é quem supera os medos da Juliana, quem dá voz as angustias e inquietações da Juliana.
Quando falo de dramaturgia feminina, é porque não cabe dentro da minha investigação o clássico, o tradicional. Foi preciso identificar o pertencimento ao gênero e entender que a Flóris não resolverá um problema, o ponto forte dos números de palhaçaria, com um chute, um tapa, uma ofensa, uma competição e sim ao seu modo, com sarcasmo, deboche, falhas, imperfeições, enfim... com o olhar e a presença feminina.
É possível utilizar na palhaçaria a dramaturgia que permeia o universo da mulher, gerar o riso que acolhe, o riso que atravessa e dá voz a tantas e tantas mulheres que se sentem silenciadas.
Convido a todes a mergulhar e escrever o que te inquieta, o que te angustia e te tira do eixo, escreve primeiro como um desabafo, um problema talvez, pela segunda vez escreve se interessando por esse problema tornando ele uma provação para você alcançar o seu sucesso e pela terceira vez encontra o riso nas maiores dificuldades, depois me conta se não é bom rir de si e rir do que te pertence!
TEXTO PUBLICADO NA REVISTA FUERZACLOWN - Peru - 2019.
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